segunda-feira, 24 de maio de 2010

Diferença
Henriqueta Lisboa

Para os outros encontro frases suaves,
Tons em surdina de violino ao luar.
Para ti tenho apenas ritmos graves,
Plangências rudes, a increpar
No mesmo entorno bárbaro do mar.

Souberam outros que ternura
Pode abrigar o coração que é teu.
Tu tens provado o fel, tens visto escura
A estrada por onde andas à procura
Daquele amor que desapareceu.

Diante dos outros tudo é flor e graça.
Diante de ti meu olhar se embaça,
Tal como o olhar dos moribundos
Ou as águas dos rios, mais profundos
Depois que a tempestade passa.

Se para outros, sempre hei de ser boa,
E nunca para o que escolhi,
Antes amasse qualquer um – perdoa! –
E tivesse a alma clara para ti.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Crianças no Jardim
Henriqueta Lisboa

Ao sol que a chuva de ouro espalha
pela terra fragrante, em doidos
galeios de luz e de cor,
As crianças brincam no jardim.
E entre papoulas, rosas, dálias,
margaridas e verdes moitas,
parecem seus olhos azuis
bolhas de orvalho matutino.

De vez em quando alguma criança,
cabelo ao vento, lábio fresco,
levanta as mãos num gesto rápido
tentada por uma corola.

Antes porém que a flor alcance
é burlada no seu desejo,
pois já se assustou com a voz áspera
do jardineiro que não dorme.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

À Tua Espera
Henriqueta Lisboa

Vou tornar a ver-te em breve!
Sinto a saudade tão leve
como um contato de flor.
A distância esta vencida,
tanto se prende este amor
aos braços da minha vida!

Já nem sei se estas ausente.
Tenho-te n’alma presente,
esqueço tudo ao redor!
Parece que te ouço a fala:
quedo, tímida, a escutá-la,
sei tuas frases de cor...

Fico a esperar-te a toda hora,
como a noite espera a aurora,
mergulhada em seu carinho.
Foi-se, branca, a última estrela.
Ah! Se eu pudesse acendê-la
para alumiar-te o caminho!

Bem quisera em minhas preces
teu caminho todo enche-lo
de rosas a trescalar.
Para que ao chegar dissesses
Sem perceber meu desvelo:
- “Foi tão fácil te encontrar!”
Serenidade
Henriqueta Lisboa

Serenidade. Encantamento.
A alma é um parque sob o luar.
Passa de leve a onda do vento,
Fica a ilusão no seu lugar.

Vem feito flor o pensamento,
como quem vem para sonhar.
Gotas de orvalho. Sentimento.
Nevoas tenuíssimas no olhar.

Tombam as horas, lento, lento,
como quem não nos quer deixar.
Êxtase. Vésperas. Advento.

Ouve! O silêncio vai falar!
Mas não falou... Foi-se o momento...
E não me canso de esperar.

sábado, 8 de maio de 2010

Se as tuas mãos divinas folhearem
As páginas de luto uma por uma
Deste meu livro humilde; se poisarem
Esses teus claros olhos como espuma

Nos meus versos d'amor, se docemente
Tua boca os beijar, lendo-os, um dia;
Se o teu sorrir pairar suavemente
Nessas palavras minhas d'agonia,

Repara e vê! Sob essas mãos benditas,
Sob esses olhos teus, sob essa boca,
Hão de pairar carícias infinitas!

Eu atirei minh'alma como um rito
Às trevas desse livro, assim, ó louca!
A noite atira sóis ao infinito!

Florbela Espanca

quarta-feira, 5 de maio de 2010


"...O tempo passou,
eu continuei acordando e
indo dormir todos os dias
querendo ser mais feliz para ele,
mais bonita para ele,
mais mulher para ele.

Até que algo sensacional aconteceu...

Um belo dia eu acordei tão bonita,
tão feliz,
tão realizada,
tão mulher,
que eu acabei me tornando
mulher DEMAIS para ele.
Ele quem mesmo?"

Martha Medeiros
Nunca Ninguém Sabe
Mario Quintana

Nunca ninguém sabe se estou louco para
rir ou para chorar…
Por isso o meu verso tem
esse quase imperceptível tremor…
A vida é louca, o mundo é triste:
Vale a pena matar-se por isso?
Nem por ninguém!
Só se deve morrer de puro amor...

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Monotonia
Mario Quintana

É segundo por segundo
Que vai o tempo medindo
Todas as coisas do mundo
Num só tic-tac, em suma,
Há tanta monotonia
Que até a felicidade,
Como goteira num balde,
Cansa, aborrece, enfastia…
E a própria dor – quem diria?-
A própria dor acostuma.
E vão se revezando, assim,
Dia e noite, sol e bruma…
E isto afinal não cansa?
Já não há gosto e desgosto
Quando é prevista a mudança.
Ai que vida!
Ainda bem que tudo acaba…
Ai que vida tão comprida…
Se não houvesse a morte, Maria,
Eu me matava!