sexta-feira, 16 de outubro de 2009


A Alma e o Baú
Mario Quintana

Tu que tão sentida e repetida e voluptuosamente
te entristeces e adoeces de ti,
é preciso rasgar essas vestes de dó,
as penas é preciso raspar com um caco, uma
por uma: são
crostas...
E sobre a carne viva
nenhuma ternura sopre.
Que ninguém acorra.
Ninguém, biblicamente, com os seus bálsamos e olores...
Ah, tu com as tuas cousas e lousas, teus badulaques.
teus ais ornamentais, tuas rimas,
esses guizos de louco...
A tua alma (tua?) olha-te, simplesmente.
Alheia e fiel como um espelho.
Por supremo pudor, despe-te. Despe-te, quanto mais
nu mais tu,
despoja-te mais e mais.
Até à invisibilidade.
Até que fiquem só espelho contra espelho
num puro amor isento de qualquer imagem.
– Mestre, dize-me... e isso tudo valerá acaso a perda
de meu baú?

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